PÁSCOA 2014 1
ABRAÃO VIU O MEU DIA
... (Jo 8,56)
O que viu Abraão, ou melhor, o que pode ter visto,
suficiente para exultar e alegrar-se?
Abraão
experimenta e pode conhecer os “dias do homem”, os seus dias inconsistentes, já
transcorridos:” Os anos de minha
peregrinação foram breves e infelizes.”. (Gn 47, 9).
Os homens constroem sua história com os
dias que “brotam de manhã e à tarde já murcham” (Sl 90). Na verdade... “era
noite e era manhã” (Gn 1, 5), isto marca a brevidade do dia do homem, uma
sombra que passa...
Ao
invés, o “dia de Deus” é como “mil anos”: um tempo infinito, uma medida
transbordante de vida: incontáveis os seus limites.
Assim
o salmo 118, iluminado pela liturgia pascal, exalta o dia de Deus: celebra uma
misericórdia que não tem fim, que liberta da angústia, dos temores; que convida
a refugiar-se em Deus, adorando sua vitória admirável sobre povos inteiros!
Sobre os inimigos que avançavam em desespero! E finalmente provoca gritos de
alegria, de espanto e admiração; cantos de alegria e ação de graças. Tudo feito
por Deus no “seu dia”!
Também
“os dias da criação” são do Senhor, bem como a sua explosão de vida, porém os
seis primeiros foram sujeitos ao desgaste do tempo. Na verdade, esgotados em “fadiga
e trabalho” (Ex 20, 9-10). É a história do universo, dos homens que se
encaminham na dor para o drama de sua perdição!
Ao
invés, o sétimo dia é o “dia do Senhor”. Para honrá-lo o homem não fará nenhum
trabalho. Porque Deus, no sétimo dia “descansou depois de toda a obra que
fizera”. (Gn 2, 2-3)
Por
conseguinte o sétimo é um dia particular, de posse exclusiva de Deus, por Ele
abençoado! É o dia em que Deus repousa!
Mas
realmente Deus pode descansar, se “todos esperam de ti que a seu tempo lhes dês
o alimento”? (Sl 104, 27). E como é possível que Deus cesse qualquer atividade “suas
mãos a saciar as necessidades de todos os viventes” (Sl 145, 15), de modo a ser
ainda “atento aos gritos dos filhos dos corvos”? (Sl 147, 9).
Também
o profeta protesta: “lembrar o Senhor que fez as promessas; não se cansar nem
se dar repouso e nem a Ele dai repouso!” (Is 62, 6-7 e Sl 83, 2). Com firmeza Jesus declarará aos judeus: “O
meu Pai trabalha sempre! (Jo 5, 17).
Por outro lado: “Do Senhor é a terra e tudo o que contém”
(Sl 24) e ainda “que os céus continuem a narrar a glória de Deus” (Sl 19, 1),
esta não cessa de “chamar as estrelas pelo nome" (Is 40, 26). Diferente o
repouso!
Porém
existe um “desgosto” de Deus: violar seu descanso... ignorando-o! Portanto
aqueles que não conhecem os seus caminhos, não podem entrar (Sl 95). Os homens
temeram aquele repouso no dia do juízo. Então procuraram esconder-se da ira divina (Ap
6, 15-17). Torna-se assim tão familiar,
no “sétimo dia”, revelar-se o “sétimo sigilo”! (Ap 8, 1-5).
A
sua abertura provoca um silêncio prolongado. Cada criatura é envolta. Um altar,
depois incenso e perfumes e orações dos santos. Em suma uma liturgia de louvor;
uma adoração incessante sobe de toda a criação; cada atividade termina.
Espera-se o manifestar-se de uma Presença: sim, temor, ânsia por aquilo que
deve acontecer... é então o “repouso de Deus” a invadir o universo; toda
criatura se prostra; tudo se dissolve diante dele, SÓ DEUS REINA!...
Maria,
sentada aos pés de Jesus, abandonou todo trabalho: há agora somente uma Presença
que se expande, que enche a alma: ela é grata por poder silenciar para aquele
que a chama ao repouso. Marta continua a mover-se, ignora! (Lc 10, 38-42).
O
espírito do homem não pode esgotar-se apenas nos dias de fadiga e de trabalho.
O repouso de Deus, o “sábado”, exprime a vocação para entrar no tempo e no
espaço de Deus, para cruzar o limiar da eternidade.
No
Egito Deus preparou a libertação, criando um espaço, um tempo... três dias de
festa no deserto! (Ex 5, 1-5). O deserto floresce, a vida começa a espalhar-se!
Por
isso Deus quer que você construa sua morada no meio do povo, sob o modelo da
habitação... contemplado no céu! (Ex 25, 8-9. 40). O céu, o infinito, irrompe
sobre a terra, como postos avançados divinos, queridos e preciosos!
Assim Deus realiza toda a sua obra.
Eis que o
dia de sábado recebeu o “autor da vida” (At 3, 15): Jesus é colocado no
sepulcro! É sábado, repousa... Sobre seu corpo os sinais visíveis do ódio. Sobre Ele “cavalgaram” os ferozes cavaleiros
do Apocalipse, história dramática de nossa miséria: guerra, fome, morte e
depois soberba cruel, inimaginável sofrimento dos justos, dos santos... (Ap 6).
A
“Vida” se acende no abismo da “morte”... mas a Vida ainda trabalha... O sábado
é agora preenchido com a plenitude divina.
Espera-se uma nova criação! No universo cada criatura treme. O “dia do
Senhor” transborda de esperança: de novo “os teus mortos tornarão a viver e
teus cadáveres ressurgirão, os que dormem no pó vão acordar e a terra das
sombras dará à luz”. (Is 26, 19). O sábado termina.
É
GERADO O DIA DO RESSUSCITADO! Então aqui está Abraão; o que pode ter
visto ou ouvido, para fazê-lo exultar de modo extraordinário? Na sua vida que
estava no fim, estéril e solitária, o que aconteceu para deixá-lo sair de sua
própria terra, sem saber por onde deveria andar, mesmo esperando “uma cidade
construída por Deus”? (Hb 11, 8-10).
Desse
modo Deus rompeu o silêncio, começava a manifestar-se: a Palavra eficaz
convidava a decidir entrar no... repouso: “Vai para a terra que te mostrarei!”
(Gn 12, 1)
Abraão
não reconheceu como sua a Palavra, no entanto parecia vir de um íntimo conhecido
dele; e tantos dias e anos se passaram, não mais sentira a sua presença, onde
se escondera? A vida, até então, não era para ter passado como Abraão pensava
ou queria. Estava só, cansado, sem futuro.
De
repente, o comando que não admite atraso, então o acolhimento generoso, livre;
o impulso determinado que deixa Abraão maravilhado: “quem está dizendo com
tanta autoridade para eu sair daqui, serei eu o teu futuro?” E Abraão se
movimenta, causando espanto, dúvidas, preocupações: “Para onde vamos, se você
já não precisa enfrentar caminhos conhecidos e batidos? Em qual desconhecido
você quer nos forçar a viver? A partida repentina deve ter provocado angústia,
sobretudo em Sara...
A Palavra começa a envolver o mundo do
“eleito”; Abraão decidiu, de modo que o memorial que leva em si mesmo, intimamente
o sustenta e o guia.
Abraão
compreende que não tem medo: existe uma certeza, que a descendência
prometida é garantida por alguém que tem o futuro de cada homem. Até mesmo uma
viagem para o desconhecido lhe dá paz! O suficiente para surpreender a todos,
quando saiu para seu jovem sobrinho Lot a escolha das pastagens, precisamente
porque não há nenhuma disputa entre eles. (Gn 13, 8-9).
Esse
homem velho, uma vez decepcionado, se ilumina de mansidão.
Mas
que loucura entregar-se nas mãos de um jovem! A escolha de Lot se revelará
imprudente, causará sofrimento e medo... Porém mais uma vez, o homem de paz sairá vitorioso sobre a
injustiça e a violência (Gn 14, 13-16). A Palavra, também curará Abraão da
ganância e da fome de posse: tem em si a segurança abundante e melhor. Agora
nada vai tirar o que não é seu. (Gn 14, 22-24).
Depois...
momentos de escuridão! A descendência que aguarda lhe virá provavelmente de seu
fiel servidor Eliezer? A Palavra tranqüiliza-o: “Não, virá de um nascido de
ti”; em seguida:” Avista o céu, podes contar as estrelas?” (Gn 15, 1-5).
Mais
ainda, o dono da Aliança, não foi
pensado nem desejado, no entanto está ali: a
Palavra é empenhada em juramento! A fazer feliz um velho nômade...
E a Palavra que havia feito de Abraão um homem moderado, agora o treina com a
peregrinação de um forasteiro no sentido de um indecifrável desconhecido, para
se tornar um homem paciente. Na verdade o cansaço da espera provoca dúvidas:
será possível um corpo tão frágil, ainda esperar?
Anos
se passaram. Com o passar do tempo Sara torna-se ansiosa, pois não dava filhos
à Abraão e lhe sugere: “Una-se a minha escrava para ver se ela me dá filhos”. E
Abraão se entrega aos desejos da mulher! (Gn 16, 1-6). Mas o ciúme, o espírito
de rivalidade irá surgir entre as duas mulheres, escrava e senhora. É difícil
conservar a paz quando as paixões são desencadeadas por decisões precipitadas,
imprudentes.
Abraão
parece resignar-se com o fato de que Ismael possa se tornar o instrumento
escolhido por Deus para aquela misteriosa descendência.
Porém
a Palavra o incomoda: “Sara, tua mulher, dará a luz um filho!” (Gn 17, 15-19).
Um brilho ilumina a noite: de um peito morto pode surgir a vida? A Palavra, portanto, “dá vida aos mortos?” (Rm
4, 17).
Realmente realiza o que havia prometido!
Abraão sente
uma grande alegria: “Sara lhe dará um filho!” Exulta como o jovem que acolhe a
esposa em sua casa... Toda a sua vida lhe é restituída: não é mais sonho ou
desejo da juventude, mas a emoção da paternidade... Aquele peito de repente
floresceu! Para o sorriso de Deus... Quantas
incertezas, dúvidas e humilhações naqueles 25 anos transcorridos! Quanta
resistência, sobretudo de Sara, em andar pela estrada muitas vezes
desconhecida... Em suma, todos os tipos de perigo que colocam à dura prova a fé
de Abraão (2 Cor 11). Nunca poderia imaginar o que hoje experimenta, um impossível: o seio de Sara , morto, é
restituído à vida! Se esta revelação lhe fosse anunciada no tempo da partida,
provavelmente não haveria saído. Agora fraco, a confiança na Palavra. Em que
profundezas da alma, teria de encontrar a luz para acreditar desde então, em tal
milagre? Agora tudo é luminoso, novo... sim, a Palavra pode fazer tudo isso!
Abraão
se rende sobrecarregado pelo espanto e pelo imenso poder efetivo da Palavra,
que abraça o infinito e “chama à existência coisas que não existem”. A Palavra,
agora, não pode “esconder o ato de Deus: Abraão se tornará uma grande nação”
(Gn 18, 17-33). E não somente: Abraão é acolhido na intimidade de Deus; torna-se
um... amigo! Conversa com Deus em uma confiança sem limites! Sem temor: chega a
conseguir a salvação para seu sobrinho Lot (Gn 19, 29); e até sugere o perdão
para Sodoma!
Abraão
e Sara desfrutam da presença divina: Isaac é o presente inesperado,
inimaginável!... Porém sabemos pouco sobre esta família querida e abençoada por
Deus. Certamente Abraão continuou a ser um homem de paz: concluiu uma aliança
com Abimelec; homem de fé; invoca o nome do Deus da eternidade; continua a sua
peregrinação no país dos Filisteus... “por muito tempo” (Gn 21, 27-34).
Muitos
anos transcorridos, não podemos saber de outro caminho espiritual de Abraão, de
Sara, mesmo de Isaac. Nem podemos avaliar o grau de unidade alcançado com Deus;
mesmo o simples crescer nas virtudes. Também não temos conhecimento da
intensidade da sua oração! Porque os “autores sacros” dificilmente satisfazem
certa curiosidade...
No
entanto podemos assistir a súbita e incompreensível solicitação de Deus! Que sentido pode ter semelhante sacrifício?
(Gn22). Nós não entendemos... O que sabe Abraão sobre aquele pedido? Ele não
lamentou nem protestou; nem mesmo uma pequena resistência... nada. Um ato de obediência pronto, sereno... sublime!
Uma admirável intimidade entre Abraão e seu filho. Juntos, sobem ao monte
indicado por Deus. Isaac parece participar consciente do evento de onde sabe
retornar!
DE FATO, DEUS PROVIDENCIARÁ. É a Palavra
que Abraão já conhece, que sempre o sustentou, o iluminou; que agora dá ao
filho. É a Palavra que penetrou-o com o coração de Deus e no coração de Deus. Abraão
viveu e viu os dias do Ressuscitado, seus inumeráveis “impossíveis” e bem como
“esperar contra toda esperança”, que lhe anunciavam uma nova criação.
BOA PÁSCOA!!
Com paternal afeto
Don
Sérgio
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